Os Domingos Precisam de Feriados


(Rabino Nilton Bonder)


Toda Sexta feira à noite começa o Shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe  descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino no sétimo dia da Criação. Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo.

A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue. Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.

Hoje, o tempo de 'pausa' é preenchido por diversão e alienação. Lazer não
é feito de descanso, mas de ocupações 'para não nos ocuparmos'. A própria
palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de
parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do
entretenimento cresce nessas condições.

Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas
para aproveitar experiências pouco interativas.
Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem
ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de
uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao
próximo...

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e
a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem
dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar
e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN
inventou um tempo linear que só pode parar no fim.

Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem
acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo
fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde
com o presente.

As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as
cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o Domingo de um
feriado...

Nossos namorados querem 'ficar', trocando o 'ser' pelo 'estar'. Saímos da
escravidão do século XIX para o leasing do século XXI um
dia seremos nossos?

Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante.
Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto
por tão poucos...

Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção.
O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair literalmente, ficar
desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida.
A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é 'o que vamos fazer
hoje?' já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de
120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de Domingo.
Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, ferese
mortalmente. É este o grande 'radical livre' que envelhece nossa alegria o
sonho de fazer do tempo uma mercadoria.

Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A
pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá
sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as
pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo
terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que
iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.
Rabino Nilton Bonder

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